sábado, dezembro 25, 2010

Mike

“Feliz Natal!”---“Bom Ano Novo!”
É nesta quadra e hoje, em especial, que estas frases voam de uma parte do mundo a outra em centenas, senão milhares, de línguas. Aparecem nos cartões de Natal, constituem o assunto de milhões de e-mails, e são proferidas mecanicamente a pessoas que mal conhecemos, ou nem conhecemos, sem termos a mínima idéia do que as faria felizes ou como elas definem "bom". A essência da condição humana, porém, não reconhece nem respeita os tempos e estações que o homem criou artificialmente e consagrou naquilo que chamamos caledário. Neste dia, ao contrário das multidões que festejam, há inúmeras pessoas que passam tempos de tristeza.


Esta manhã, às 00h25, Mike Rogers abandonou a sua tenda terrestre e mudou-se para a sua casa no céu que não foi feita por mãos humanas. 2Cor 5:1-5 Para Debbie e a família, a alegria de qualquer Natal no futuro será sempre ensombrada com a recordação da sua perda neste dia.

Já escrevi sobre Mike (aqui, aqui, e aqui) quando o seu linfoma non-Hodgkins foi descoberto há 4 anos atrás. Desde então até esta manhã, houve uma batalha entre os médicos de um lado e a doença maligna do outro, e o corpo de Mike foi o campo de batalha. Na semana passada, quando ouvimos que Mike estava a ser transferido de Califórnia até Colorado para poder estar perto dos filhos e netos, era evidente que a batalha estava a chegar ao fim. Tenho passado mais tempo para recordar tudo que Mike e Debbie significam para nós.

Tanto a família de Mike como a de Debbie eram missionários no Brasil (e os pais de Mike foram depois para o Paraguai e Chile). Como missionários, as suas famílias visitavam as igrejas onde eu e Abbie crescemos como crianças e adolescentes. O meu pai teria dito que, “nós quatro crescemos juntos em lugares distantes uns dos outros.” Casámos mais ou menos na mesma altura, e depois, cada casal teve quatro filhos, também mais ou menos nas mesmas alturas.

Trocámos posições. Mike e Debbie em adulto saíram do campo missionário, e fizeram a sua vida nos EUA. Nós saímos dos EUA e fizemos a nossa vida no campo missionário no Brasil e depois na Madeira. Mas continuámos a crescer juntos em lugares bem distantes.

Uma relação especial

De facto, nos últimos 10 anos especialmente, temos visto Mike e Debbie muito pouco, mas ao recordar os anos que nos conhecemos uns aos outros, percebi que Mike estava envolvido nos pontos cruciais do nosso ministério. Como alguns diriam, os nossos destinos estavam entrelaçados.

No princípio dos anos 70, quando estávamos no Brasil, foi a igreja em Arkansas onde Mike era pastor que levantou os fundos para que pudéssemos comprar um carro. Até então, estávamos dependentes de outros para as nossas deslocações.

Em 1977, quando nos vimos obrigados a comprar uma casa para poder continuar na Madeira e trabalhar, foi a igreja em Kentucky onde Mike era pastor que era responsável por mais de 35% dos fundos levantados para comprarmos uma casa, a casa que ainda hoje habitamos.

Em 2000, como resultado dos ensinos de Mike na nossa igreja no Colorado, perdemos todo o restante apoio financeiro das igrejas que nos tinham apoiado durante quase 30 anos. Mike demitiu-se daquela igreja por princípios doutrinários, e nosso apoio foi cortado em consequência dessa disputa, pois, entretanto, eu também cheguei a aceitar com Mike posições que não estavam de acordo com os ensinos que tínhamos recebido por tradição das igrejas em que fomos criados. Eu agradeço publicamente ao Senhor pelo papel do Mike neste fase do meu crescimento espiritual e o da nossa igreja aqui.

Irmão-Amigo

Eu e Mike sempre concordávamos? Não. Fomos sempre amigos? Sim. Cheguei a perceber que tenho amigos que não são irmãos, e irmãos que nem sempre são amigos. Mike era tanto um, como outro. Por sermos irmãos no Senhor, compartilhámos um amor pelo Senhor e pela Sua palavra; por sermos amigos, não era preciso estar de acordo em todos os pontos de interpretação da Bíblia ou em todas as decisões tomadas.

Mike veio à Madeira duas vezes, uma vez sozinho no início dos anos 80, e uma segunda vez no final dos anos 90 com Debbie. Durante a sua primeira visita, depois de relatar detalhadmente como Deus nos chamou à Madeira, ele olhou para mim e disse, mais ou menos nestes termos, “Essa é uma história que não aceitaria de mais ninguém; mas quando tu contas a história, eu te respeito.” Ele explicou porque ele normalmente não respeitaria alguém a contar uma história semelhante, e embora que senti-me com toda a razão em defender a minha posição, eu aprendi umas verdades importantes através daquilo que ele me disse durante o almoço nesse dia.

E foi assim sempre que os nossos caminhos cruzaram. Por sermos almas gêmeas, concordámos em quase tudo, mas quando não acordámos num ponto de doutrina ou nalgum curso de acção, soubemos ouvir um ao outro com respeito e amizade.

Falo por mim mesmo. Se Abbie fosse acrescentar aqui os seus pensamentos, eu sei o que ela diria. Ele e Debbie são também almas gêmeas. Além das duas serem mães exemplares que cada uma criou quatro filhos que amam e servem ao Senhor Jesus, as semelhanças entre seus talentos nos campos de música e artes decorativas são inexplicáveis.

Hoje Debbie e a sua família estão entristecidas. Oramos por eles e nos entristecemos com eles, mas não como aqueles que choram sem esperança. Todas as nossas vidas, temos estado a crescer juntos com eles em lugares distintos e distantes; fisicamente, Mike agora está mais distante do que estava antes. Mas isso é provisório; no Seu tempo, o Senhor chamará cada um de nós, e não haverá mais distância.

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