terça-feira, maio 13, 2008

Quando o perder é ganhar

Já vai em 9 anos que vou à prisão para dar estudos bíblicos de modo regular. O que começou com reuniões de 2 em 2 semanas, tornou-se semanais; começaram com 2 homens, e cheguei a ter 15, de quase tantos países; nos primeiros anos Inglês foi a língua franca, depois passou para bi-língue (Português e Inglês) e por vezes, tri-língues (um pouco de Francês, ou uma dose forte de Russo-Ucraniano). Mas, como com tudo na vida, nem estas situações eram permanentes. Na última reunião, só houve um recluso: Oleksiy (ou seja, Alex).
Além disso, ele me informou que ele seria o único daqui para frente.

Carlos, o açoriano, vai embora este mês; Oleg, um ucrâniano, há tempo pediu transferência para o continente, e em breve o seu pedido será concedido; Nikolay, outro ucraniano, saiu recentemente também, deixando Alex só. Ele confessou que estava preocupado, e falou disso ao Nikolay quando ele saiu: a pergunta que me fez foi:

"O pastor continuará a vir só por mim?"

O seu maior medo foi que eu chegaria à conclusão que não valia a pena tomar o tempo cada semana para ir à prisão para uma só pessoa. Mas de certa maneira, fiquei contente com a notícia. Por quê?

1) Porque agora a confusão de línguas ficou reduzida. Podemos falar em Português ou Russo à vontade; isto é, não haverá outra pessoa que nos obrigue a falar Português.

2) Eu já tinha arranjado um curso biblico em Russo, escrito especificamente para prisioneiros. Perguntei-lhe se ele já havia começado o curso. "É muito difícil fazer sem alguém para me orientar," ele disse. "Tenho dificuldade em encontrar os versículos na Bíblia." Quando eu for à prisão da próxima vez, poderemos fazer juntos o curso em Russo, pois o Alex mostra grande desejo de conhecer Deus.

Ele foi baptizado na Igreja Ortodoxa, mas só quando tinha mais de 20 anos. Embora fosse criado numa família de atéus (seu pai era oficial no exército soviético), ele chegou a acreditar que há um Poder Supremo, e ele está à procura de mais conhecimento acerca de Deus. Recentemente, foi castigado com 10 dias em solitário pela infracção de algum regulamento interno quase insignificante. Aceitou o castigo como uma benção: assim ele teve tempo de estar só para ler e meditar, longe da confusão geral do ambiente prisional em volta da sua cela: rádio com volume alto, argumentos, brigas, linguagem suja.

Este foi parte da razão por quê ele ficou tão contente em ouvir que eu continuaria a ir à prisão: "Estes 45 minutos são o único raio de luz na minha existência; o pastor representa a única luz que me chega nesta existência tão difícil aqui." (Minha tradução livre, mas era isso que estava a dizer.)

Mas há um segundo motivo para se alegrar: sendo o último recluso de fala russa na prisão (ainda há outro que nunca veio às reuniões, mas também está de saída), Alex não terá mais ninguém com quem possa falar Russo...a não ser comigo. Será bom para ele ter estas reuniões, para que ele não perca a facilidade em se exprimir na sua própria língua—caso o leitor não soubesse pela experiência de viver numa cultura de outra língua durante um período mais longo, tal possibilidade é muito real—e será bom para mim, para que possa melhorar o meu Russo. Mas também significa que aqueles 45 minutos serão tempo bem aproveitado, concentrado em uma alma com sede de Deus. Jesus ensinou que quem perde, em verdade, ganha; concordo que, neste caso, ter menos, é uma mais valia no sentido espiritual.

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